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Ecologia molecular das antas da Serra do Mar

A história das antas albinas e as ameaças para a conservação da espécie no Contínuo Ecológico de Paranapiacaba


Ecologia molecular das antas da Serra do Mar

Foto: Luciano Candisani

A Serra do Mar é uma cadeia montanhosa que se estende por aproximadamente 1.500 km ao longo do litoral brasileiro, do Rio Grande do Sul até o Rio de Janeiro, sendo o maior contínuo de Floresta Atlântica conservada, e lar de diversas espécies de grandes mamíferos. Devido ao seu valor geológico e a riqueza de sua fauna e flora, o trecho paulista da Serra do Mar foi tombado como Patrimônio Histórico do estado de São Paulo em 1985.


Do lado mais interior da Serra do Mar, o Contínuo Ecológico de Paranapiacaba (CEP) é formado por um conjunto de áreas protegidas que somam mais de 200.000 ha de Mata Atlântica, abrangendo as bacias do Alto Paranapanema e do Vale do Ribeira. Do ponto de vista conservacionista, está entre os remanescentes de Mata Atlântica mais importantes, devido à sua extensão, grau de conservação florestal e complexidade das comunidades animais e vegetais. Ao mesmo tempo, trata-se de uma das regiões que possuem o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do estado de São Paulo. Com isso, são frequentes as atividades humanas desordenadas e conflitantes com a conservação de recursos naturais, como, por exemplo, a caça e a extração irregular de plantas nativas, fatores que favorecem a ocorrência de pressões diretas e indiretas na vegetação florestal.


Sob gestão da Reservas Votorantim, nesta região destaca-se um contínuo de mais de 30 mil hectares de Mata Atlântica conservada entre os municípios de Juquiá, Miracatu e Tapiraí, o Legado das Águas: Posto Avançado da Biosfera da Mata Atlântica, e a maior reserva privada do bioma no Brasil. Ali, são desenvolvidas diversas pesquisas científicas ligadas à proteção da fauna e flora, desde estudos de identificação, distribuição e ocupação de espécies; até o aprimoramento de técnicas de produção de plantas nativas; entre outros.


Uma das descobertas científicas mais interessantes realizadas dentro da Reserva foi a identificação do primeiro indivíduo albino de anta (Tapirus terrestris) em 2014, (Landis et al. 2020). O Gasparzinho, como ficou conhecido, trouxe visibilidade para a região e para as ameaças sofridas pela espécie, classificada como ameaçada de extinção a nível global (IUCN, 2023).


A anta é uma espécie-chave na estrutura e função dos ecossistemas florestais, contribuindo para a dispersão de sementes. Por possuir um ciclo reprodutivo longo, com 13 a 14 meses de gestação e apenas um filhote por ciclo, e por necessitar de grandes territórios para sua sobrevivência, a espécie possui baixa resiliência à crescente pressão humana na região. Além desses, diversos outros fatores afetam a sobrevivência da anta na Mata Atlântica, mesmo em áreas protegidas, como a caça, atropelamento, conflitos com agricultores, a proximidade de animais domésticos que resultam em ataques ou transmissão de doenças, etc.


Mas o que a descoberta de uma anta albina significa para as populações dessa espécie na região? O albinismo é um provável resultado de endocruzamento, o que significa que as populações estão tão reduzidas ou isoladas que a reprodução acaba acontecendo entre indivíduos aparentados. Isso pode acabar reduzindo a diversidade genética em longo prazo, o que traz impactos negativos para a adaptabilidade e sobrevivência desses animais. Para estudar os impactos dessa descoberta sobre as populações da espécie, o Laboratório de Biodiversidade Molecular e Conservação (LabBMC) da UFSCar, em parceria com o Instituto Manacá, começou a estudar o estado de conservação das antas no Contínuo Ecológico de Paranapiacaba, com o objetivo de contribuir para ações políticas e de conservação efetivas.


Porém, o problema se tornou maior quando outras antas albinas começaram a ser avistadas na região. Nesse momento, a pesquisa desenvolvida pelo LabBMC começou a fazer parte do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, iniciativa que é fruto da persistência e do esforço conjunto de pesquisadores do Instituto de Pesquisas de Cananéia e do Instituto Manacá, que atuam há mais de 15 anos em projetos de pesquisa e conservação da fauna silvestre, com o objetivo de promover uma agenda que pudesse conectar diferentes espaços territoriais, como unidades de conservação e comunidades locais, em prol da conservação da fauna silvestre na Serra do Mar. Atualmente, o programa conta com o apoio e patrocínio da Fundação Grupo Boticário e WWF-Brasil.


O Legado das Águas foi palco de um importante desdobramento científico acerca de uma espécie-bandeira e ameaçada de extinção. Somado a isso, o propósito de promover a construção e divulgação do conhecimento científico sobre a biodiversidade da Mata Atlântica e contribuir com o desenvolvimento territorial no Vale do Ribeira, fizeram com que eles formalizassem uma parceria para viabilizar o projeto “Ecologia molecular das antas da Serra do Mar”.


Essa parceria formada pelo Legado das Águas, LabBMC e Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar foi viabilizada pela VBIO, plataforma de bioeconomia que atua para agregar soluções e ajudar organizações a gerar impacto competitivo através da biodiversidade brasileira, conduzindo a gestão técnica e financeira de projetos focados no desenvolvimento de comunidades tradicionais e conservação do patrimônio natural brasileiro.


Com este projeto, os pesquisadores esperam construir conhecimento científico que contribuirá para o melhor entendimento da estrutura genética populacional e ameaças atuais às populações de anta na Serra do Mar do estado de São Paulo, espécie-chave na estrutura e função deste ecossistema. “A anta é um animal símbolo da nossa biodiversidade e exerce importantes funções no ecossistema, mesmo assim, encontra-se vulnerável à extinção. A possibilidade de usar ferramentas moleculares para melhor compreender aspectos da ecologia e genética das populações na Mata Atlântica representa uma grande oportunidade. A partir desse diagnóstico, será possível elaborarmos estratégias mais eficazes para o manejo e conservação da espécie na Serra do Mar, contribuindo assim com a manutenção da população a longo prazo”, diz o pesquisador de pós-doutorado em Genética Evolutiva e Biologia Molecular, e responsável técnico pelo projeto, Bruno H. Saranholi.


Serão mais de 30 amostras biológicas avaliadas geneticamente, que contribuirão para o melhor entendimento do status de conservação atual das populações de antas no maior contínuo protegido de Mata Atlântica no Brasil, e a divulgação de materiais de comunicação que engajarão a população do entorno e gestores de unidades de conservação a contribuírem para a construção do projeto. Esses resultados permitirão melhor direcionar as ações e políticas para conservação da espécie, além de fornecer dados para o Plano de Ação Nacional para a Conservação de Ungulados, do ICMBio. Landis, M. B., Candisani, L., Munhoes, L. P., Gebin, J. C. Z., Rezende, F., Flores de Jesus, M. M., ... & Ferraz, K. M. P. M. D. B. (2020). First record of albino lowland tapirs (Tapirus terrestris Linnaeus 1758) in an important Brazilian Atlantic Forest hotspot. Mammalia, 84(6), 601-604.


Para saber mais sobre o projeto "Ecologia Molecular das Antas" acesse aqui

Autora - Mariana Giozza

Gestora de Projetos na VBIO.eco

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