Por: Ana Maria Heeren Falkiewicz
A bioeconomia, modelo baseado no uso sustentável de recursos naturais, foi um dos temas mais discutidos durante a COP16. Diversos side-events foram promovidos com o objetivo de abordar os principais desafios e estratégias para fortalecer essa economia emergente, que busca integrar o setor privado e a natureza de forma circular.
Setor privado e países megadiversos: desafios e oportunidades
No que se refere ao setor privado, os debates giraram em torno de uma questão comum: como as estratégias de bioeconomia podem avançar em relação às metas do Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework (GBF), ao mesmo tempo em que minimizam o uso de elementos nocivos e poluidores, buscando alternativas para estes em diferentes setores. O objetivo é explorar novas oportunidades enquanto se recupera áreas degradadas.
Embora o interesse no equilíbrio ambiental seja compartilhado globalmente, os países megadiversos têm buscado protagonismo nas discussões, visto que seus territórios abrigam a maior parte da biodiversidade mundial e sustentam as principais economias globais. Nesse contexto, destaca-se a formação de alianças regionais e multissetoriais por atores desses países.
Durante a COP16, foram lançadas iniciativas como a Pan-Amazon Network for Bioeconomy (Rede Pan-Amazônica para Bioeconomia), criada pela World Resources Institute e Conservation International. O objetivo da rede é conectar IPLCs (Indigenous Peoples and Local Communities), associações, investidores de impacto, instituições financeiras, de pesquisa e outros, a fim de fomentar um mercado de desenvolvimento sustentável. Com iniciativas como essa, projeta-se que, na próxima década, a bioeconomia seja reconhecida e consolidada como um setor econômico próprio.
Povos indígenas e comunidades tradicionais
Esse avanço, contudo, traz desafios. A NatureFinance promoveu diálogos com representantes da G20 Initiative on Bioeconomy e de outros setores sobre a equidade na alocação de recursos e no financiamento de iniciativas de bioeconomia. Entre os pontos-chave discutidos, destacaram-se a necessidade de adaptação dos instrumentos financeiros para incluir a bioeconomia e a formulação de estratégias concretas para minimizar os efeitos da transição econômica sobre os grupos mais vulneráveis. Isso é especialmente relevante, considerando-se os desafios previstos, como a alta nos preços de produtos alimentícios até a concretização desses objetivos.
Sob outra perspectiva, side-events organizados por povos indígenas e comunidades tradicionais trouxeram à tona preocupações relacionadas à bioeconomia, destacando que a transição para um novo modelo não deve apenas considerar a monetização dos recursos naturais e da biodiversidade, mas também as demandas daqueles que já os valorizam e protegem há séculos.
Maior inclusão nas estratégias
Esses "guardiões da biodiversidade" estão no centro de economias de grande escala, como petróleo, metais, madeira e outros. Ou seja, as principais matérias-primas estão localizadas em seus territórios, e as estratégias de bioeconomia, ao desafiar os modelos predatórios de investimento, também enfrentam questões de autodeterminação. Portanto, é imprescindível a participação dos IPLCs não apenas nas decisões que orientam a agenda mundial, mas também nos principais projetos que visam alcançar as metas globais.
Outro ponto importante discutido foi o reconhecimento de IPLCs como protagonistas e gestores de cadeias produtivas e de valor, capazes de impulsionar o mercado e, ao mesmo tempo, combinar saberes tradicionais com técnicas contemporâneas. Para isso, foi solicitado o fortalecimento dos mecanismos de financiamento direto para os projetos dessas comunidades.
Em um evento realizado em parceria entre a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e o IDB (Inter-American Development Bank), destacou-se como o financiamento direto de iniciativas de bioeconomia lideradas por essas comunidades pode fortalecer não apenas a conservação dos territórios, mas também a preservação de seus modos de vida e saberes tradicionais.
Além disso, celebrou-se o avanço da implementação da Lei nº 13.800/2019, que possibilita a constituição de fundos patrimoniais voltados a interesses públicos, como a conservação da biodiversidade. No entanto, foi levantada a necessidade de ampliar projetos para biomas além da Amazônia, e de superar a desconfiança de financiadores em relação à capacidade de gestão de projetos e recursos por IPLCs.
A descolonização do financiamento
Em outro evento no Pavilhão do Espaço Brasil, a discussão se concentrou nos fundos comunitários (Fundo Casa Socioambiental, Fundo Ecos, Fondo Emerger Socioambiental, entre outros) como formas de proteger práticas tradicionais e impulsionar a autonomia financeira de povos do Sul Global. A conversa girou em torno da descolonização do financiamento, defendendo o aprimoramento da distribuição de recursos e o acesso direto a eles, alinhando-se especialmente ao Target 9 do GBF.
A promessa de entrelaçamento entre economia e natureza exige a priorização de metas de longo prazo e o compromisso com a superação dos antigos modelos econômicos, em detrimento das possibilidades de retorno rápido, que, ao final, comprometem ainda mais a biodiversidade global.
Em resumo, ficou claro nas discussões que o tema da bioeconomia se conecta a outros debates presentes na COP16, como o DSI (Digital Sequence Information) e os créditos de biodiversidade, que serão abordados em outros artigos.
Acompanhe nossos próximos conteúdos sobre insights e desdobramentos da COP16 pela perspectiva do time GSS e VBIO.
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